Introdução
A educação é frequentemente apontada como um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento de uma nação. Entretanto, quando analisamos os resultados do Brasil em avaliações internacionais, deparamo-nos com uma realidade preocupante que persiste ao longo dos anos: o sistema educacional brasileiro figura consistentemente entre os piores do mundo, conforme demonstram dados do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) e outros indicadores globais.
O Retrato do PISA 2022: Brasil nas Últimas Posições
O PISA, coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), é considerado o maior estudo sobre educação no mundo. Realizado a cada três anos, avalia estudantes de 15 anos em três áreas fundamentais: matemática, leitura e ciências. A edição de 2022 (originalmente prevista para 2021, mas adiada devido à pandemia) contou com a participação de 81 países e trouxe resultados alarmantes para o Brasil.
Nas três áreas avaliadas, o Brasil permaneceu na parte inferior do ranking, com desempenho significativamente abaixo da média dos países da OCDE:
Em matemática, o Brasil ocupou a 65ª posição entre 81 países, com uma pontuação média de 379 pontos. Para efeito de comparação, Singapura, líder do ranking, obteve 575 pontos – uma diferença de quase 200 pontos. A média dos países da OCDE foi de 472 pontos. Mais alarmante ainda é o fato de que 7 em cada 10 estudantes brasileiros não conseguem resolver problemas matemáticos simples, demonstrando deficiências graves no desenvolvimento de habilidades básicas.
65º
Posição do Brasil no ranking mundial
379
Pontuação média do Brasil
93
Pontos abaixo da média da OCDE (472)
Fig. 1 - Brasil fica nas últimas posições em matemática dentre os 81 países que participaram do exame
Na avaliação de leitura, o Brasil ficou em 52º lugar, com 410 pontos, enquanto a média da OCDE foi de 476 pontos. Embora este seja o melhor resultado entre as três áreas avaliadas, ainda representa um desempenho muito aquém do necessário para garantir uma formação adequada.
Em ciências, o país ocupou a 62ª posição, com 403 pontos, contra uma média de 485 pontos nos países da OCDE. Esta área demonstra a dificuldade dos estudantes brasileiros em compreender fenômenos científicos e interpretar dados e evidências científicas.
Comparação com Outros Países: Um Abismo Educacional
A distância entre o Brasil e os países líderes em educação é abissal. Nações como Singapura, Japão, Coreia do Sul, Estônia, Canadá e Finlândia consistentemente ocupam o topo dos rankings, com pontuações que superam em mais de 100 pontos os resultados brasileiros.
Mesmo quando comparado a outros países da América Latina, o Brasil apresenta resultados inferiores. Chile e Uruguai, por exemplo, obtiveram desempenhos significativamente melhores nas três áreas avaliadas. O Chile, com 412 pontos em matemática, 448 em leitura e 444 em ciências, demonstra que é possível alcançar resultados mais satisfatórios mesmo em contextos socioeconômicos semelhantes.
É importante notar que, embora o Brasil tenha subido algumas posições no ranking entre 2018 e 2022 (6 posições em matemática, 5 em leitura e 2 em ciências), isso não representa uma melhoria real no desempenho dos estudantes. Na verdade, essa ascensão ocorreu principalmente porque outros países tiveram quedas mais acentuadas em seus resultados após a pandemia, enquanto o Brasil manteve-se estagnado.
O Mito da Educação Privada de Qualidade: Uma Análise Detalhada
Existe uma crença generalizada de que as escolas privadas brasileiras oferecem educação de padrão internacional, muito superior à rede pública. No entanto, dados do PISA 2022 revelam uma realidade mais complexa e preocupante: mesmo as escolas particulares brasileiras, em geral, apresentam desempenho abaixo da média internacional.
Desempenho das Escolas Privadas Brasileiras no PISA 2022
As escolas particulares brasileiras obtiveram 456 pontos em matemática no PISA 2022, resultado que, embora superior à média nacional (379 pontos), ainda fica abaixo da média da OCDE (472 pontos). Isso significa que, mesmo pagando mensalidades muitas vezes elevadas, a maioria dos estudantes de escolas privadas no Brasil não recebe educação de padrão internacional.
Segundo dados analisados pelo Instituto Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (IEDE), as escolas privadas de elite brasileiras apresentam resultados mistos quando comparadas internacionalmente:
- Em Leitura: As escolas privadas de elite do Brasil alcançariam a 5ª posição no ranking mundial, ao lado da Estônia, que tem o melhor desempenho da Europa
- Em Matemática: O desempenho é significativamente pior, alcançando apenas a 30ª colocação, conseguindo ficar apenas na média dos países da OCDE
- Em Ciências: Ficariam na 12ª posição, ao lado da Nova Zelândia e acima do Reino Unido e da Alemanha
Quando consideramos todas as escolas particulares (não apenas as de elite), o desempenho é ainda mais modesto:
- Em Leitura: 11ª colocação, acima da Suécia
- Em Ciências: 23ª colocação, empatado com a Suíça
- Em Matemática: 38ª colocação
Comparações Específicas Revelam Lacunas Surpreendentes
Um dado particularmente revelador, destacado pela BBC, é que os alunos brasileiros mais ricos (25% do topo) tiveram desempenho em matemática abaixo dos alunos com perfil socioeconômico parecido em países como Turquia e Vietnã. Enquanto os 25% mais ricos da Turquia e do Vietnã fizeram mais de 500 pontos em matemática, os brasileiros mais ricos não alcançaram nem a média da OCDE (472).
Na comparação com a Finlândia, país frequentemente citado como modelo educacional, as escolas privadas de elite do Brasil superam os finlandeses em leitura, mas ficam abaixo em matemática. Vale ressaltar que a Finlândia é conhecida por ter um sistema educacional público de alta qualidade, com pouca diferenciação entre escolas.
Já em relação a Singapura, líder do ranking do PISA 2022, mesmo as escolas privadas de elite brasileiras ficam muito abaixo em matemática, com uma diferença menor, mas ainda significativa, em leitura.
A Desigualdade Dentro do Próprio Sistema Educacional Brasileiro
O Brasil apresenta uma das maiores desigualdades educacionais do mundo, não apenas entre escolas públicas e privadas, mas também dentro de cada rede. Os dados do IEDE revelam contrastes impressionantes:
- Escolas federais brasileiras: desempenho em leitura equivalente à 16ª colocação mundial, similar à Austrália
- Escolas estaduais brasileiras: desempenho em leitura equivalente à 62ª colocação, ao lado da Bósnia
- Escolas privadas de elite: 5ª colocação em leitura
As diferenças regionais também são marcantes. As melhores escolas particulares estão no Centro-Oeste do Brasil (incluindo Brasília), com nota 541 em leitura, o que as colocaria em 3º lugar do mundo. No Nordeste, há um contraste extremo: escolas federais com desempenho de 519 pontos em leitura versus escolas municipais com 316 pontos (abaixo das Filipinas, última colocada do ranking).
Fatores que Explicam o Desempenho Limitado das Escolas Privadas Brasileiras
Vários fatores contribuem para o desempenho aquém do esperado das escolas privadas brasileiras:
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Heterogeneidade das Escolas Privadas: Não se pode tratar todas as escolas particulares como um grupo homogêneo. Há grande diferença entre escolas de elite que cobram mensalidades de R$ 5 mil a R$ 15 mil e escolas de bairro que atendem classes C e D. Muitas escolas particulares de baixo custo não são sequer regularizadas.
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Impacto da Pandemia: O fechamento prolongado das escolas afetou o aprendizado. 74% dos alunos brasileiros relataram que suas escolas ficaram fechadas por mais de três meses devido à COVID-19, contra 51% na média da OCDE. Mesmo famílias de classe média e alta não estavam preparadas para a educação remota.
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Formação de Professores: Segundo especialistas citados pela BBC e Folha, há problemas na formação inicial dos professores e na atratividade da carreira docente tanto no sistema público quanto no privado. Apenas as escolas de "ultra elite" (1% mais ricas) conseguem contornar parcialmente esse problema.
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Currículo e Metodologias: Especialistas apontam que muitas escolas privadas brasileiras focam em conteúdos para vestibular e não desenvolvem habilidades avaliadas pelo PISA. O PISA avalia a capacidade de aplicar conhecimentos em situações práticas, não apenas a memorização de conteúdos.
Além do PISA: Outros Indicadores Preocupantes
O baixo desempenho educacional do Brasil não se limita ao PISA. Outros indicadores internacionais corroboram essa realidade. No ranking de competitividade global, a educação brasileira figura em último lugar, conforme apontado pela CNN Brasil. O país teve desempenho igualmente baixo no TOEFL, ocupando a 54ª posição.
Mesmo no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que considera a educação como um de seus três pilares fundamentais (junto com saúde e renda), o Brasil apresenta resultados insatisfatórios. Embora o IDH brasileiro tenha atingido 0,786 em 2023, considerado um nível elevado pela ONU, o país ainda ocupa uma posição intermediária no ranking global, muito abaixo de seu potencial econômico.
Na América Latina e Caribe, o Brasil ficou apenas na 17ª posição no IDH, atrás de países como México, Equador e Cuba, evidenciando que o problema educacional brasileiro é grave mesmo quando comparado a nações com recursos semelhantes ou inferiores.
As Raízes do Problema
As causas para o baixo desempenho educacional brasileiro são múltiplas e complexas. Entre os fatores mais relevantes estão:
A desigualdade socioeconômica, que cria abismos de oportunidades entre estudantes de diferentes classes sociais. Como vimos, mesmo as escolas privadas, que atendem majoritariamente alunos de classes mais favorecidas, não conseguem garantir educação de padrão internacional em todas as áreas.
A formação e valorização insuficiente dos professores, com baixos salários e condições de trabalho inadequadas, que dificultam a atração e retenção de profissionais qualificados. Este problema afeta tanto a rede pública quanto a privada, com exceção de algumas escolas de ultra-elite.
A descontinuidade de políticas públicas educacionais, que mudam a cada ciclo político sem permitir a consolidação de estratégias de longo prazo.
A pandemia de COVID-19 agravou ainda mais esse cenário, ampliando as desigualdades educacionais e expondo a fragilidade do sistema. O fechamento prolongado das escolas e a dificuldade de acesso ao ensino remoto por parte dos estudantes mais vulneráveis criaram lacunas de aprendizagem que levarão anos para serem superadas.
Conclusões Baseadas nos Dados
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Mito da Qualidade Universal: Os dados desmentem o mito de que todas as escolas privadas brasileiras oferecem educação de padrão internacional. Mesmo entre os mais ricos, o desempenho médio fica abaixo da média da OCDE.
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Ilhas de Excelência: Existe um pequeno grupo de escolas privadas de elite que consegue resultados comparáveis aos melhores sistemas educacionais do mundo, especialmente em leitura, mas são exceções.
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Desigualdade Extrema: O Brasil apresenta uma das maiores desigualdades educacionais do mundo, com diferenças enormes entre escolas públicas e privadas, e mesmo dentro de cada rede.
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Matemática como Ponto Fraco: Mesmo nas melhores escolas privadas brasileiras, o desempenho em matemática é significativamente inferior ao de leitura e ciências quando comparado internacionalmente.
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Comparação com Países Similares: Países com nível socioeconômico similar ao Brasil, como Turquia e Vietnã, conseguem resultados melhores entre seus estudantes mais privilegiados.
Um Alerta para o Futuro
Os dados do PISA 2022 e de outros indicadores internacionais não deixam dúvidas: a educação brasileira está entre as piores do mundo, e essa realidade representa um obstáculo significativo para o desenvolvimento do país. A persistência desse cenário ao longo dos anos, mesmo com algumas iniciativas de melhoria, demonstra que são necessárias mudanças estruturais profundas no sistema educacional brasileiro.
Enquanto países como Singapura, Finlândia e Estônia investem consistentemente em educação de qualidade e colhem os frutos desse investimento em forma de desenvolvimento econômico e social, o Brasil continua preso em um ciclo de baixo desempenho educacional que limita seu potencial como nação.
A superação desse desafio exige um compromisso nacional com a educação, que transcenda governos e ideologias políticas. Somente com investimentos substanciais, valorização dos profissionais da educação, políticas públicas baseadas em evidências e continuidade nas ações será possível reverter esse quadro e oferecer às futuras gerações de brasileiros a educação de qualidade que merecem e de que o país tanto necessita.
Fontes
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INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. "Divulgados os resultados do Pisa 2022". Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/acoes-internacionais/divulgados-os-resultados-do-pisa-2022
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G1. "Ranking da educação: Brasil está nas últimas posições no Pisa 2022". Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2023/12/05/ranking-da-educacao-brasil-esta-nas-ultimas-posicoes-no-pisa-2022-veja-notas-de-81-paises-em-matematica-ciencias-e-leitura.ghtml
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BBC News Brasil. "Pisa: até alunos mais ricos no Brasil estão abaixo da média global em Matemática". Dezembro de 2023. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cv2zx819rg4o
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IEDE (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional). "Escolas privadas de elite do Brasil superam Finlândia no Pisa; rede pública vai pior do que Peru". Dezembro de 2019. Disponível em: https://portaliede.org.br/contribuicao/o-estado-de-s-paulo-escolas-privadas-de-elite-do-brasil-superam-finlandia-no-pisa-rede-publica-vai-pior-do-que-peru/
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Folha de S.Paulo. "Por que escolas particulares no Brasil têm mau desempenho internacional". Abril de 2024. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2024/04/por-que-escolas-particulares-no-brasil-tem-mau-desempenho-internacional.shtml
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CNN Brasil. "Educação brasileira está em último lugar em ranking de competitividade". Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/educacao-brasileira-esta-em-ultimo-lugar-em-ranking-de-competitividade/
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Agência Brasil. "IDH do Brasil sobe em 2022, mas país cai 2 posições em ranking da ONU". Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-03/idh-do-brasil-sobe-em-2022-mas-pais-cai-2-posicoes-em-ranking-da-onu
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OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. "PISA 2022 Results (Volume I)". Disponível em: https://www.oecd.org/en/publications/pisa-2022-results-volume-i_53f23881-en.html